27.8.07

Entrevista a Elza Pais: "Não queria um 8 de Março para os homens"

Trabalhou no Instituto de Reinserção Social em Coimbra, dirigiu o Instituto da Droga e da Toxicodependência e foi convidada a presidir à Comissão para a Igualdade e Direitos das Mulheres, recentemente rebaptizada Comissão para a Cidadania e Igualdade de Géneros – “uma mudança de paradigma”. Elza Pais explicou que é tudo uma questão de Direitos Humanos.

De onde vem este interesse pelo tema dos direitos das mulheres?

Desde sempre trabalhei muito as causas sociais. Fui professora no Instituto Miguel Torga em Coimbra, e agora na Universidade Católica, sempre na área social. Formei muitas das assistentes sociais do País...

Considera-se uma feminista?

Considero, porque luto pelos direitos das mulheres. E ao lutar pelos direitos das mulheres luto pelos direitos das pessoas. Ao fazer isto também estou a lutar pelos direitos dos homens.

O discurso feminista foi muito acusado de ser um discurso de autovitimização...

Há feminismo e feminismo. Há várias etapas. Nas suas primeiras afirmações teve de sublinhar determinadas discriminações para as salientar. Se não tivesse sido assim, hoje não se falaria da igualdade de géneros como falamos. Hoje exige-se às feministas uma nova atitude no sentido de chamar os homens a reivindicar os direitos das próprias mulheres. Uma sociedade em que homens e mulheres vivem de costas voltadas não é uma sociedade justa.

Já se conseguem ver resultados concretos, práticos, das políticas de igualdade de oportunidades?

Sim, o facto de ter existido este ano [Ano Europeu da Igualdade de Oportunidades] que foi acolhido pelo Parlamento e pelo Conselho já em 2002/2003 e que está agora em pleno, é sinal de que, ao nível da política, estes temas começam também a ser valorizados. E o facto de termos planos – vamos no 3.º Plano Nacional para a Igualdade, no 3.º Plano Nacional contra a Violência Doméstica, no 1.º Plano Nacional contra o Tráfico de Seres Humanos. Claro, num primeiro momento foi através dos movimentos feministas dos anos 60/70 que estes temas vieram para a ribalta. Não são longínquos os tempos em que as mulheres não podiam votar, em que não se podiam ausentar para o estrangeiro sem pedir autorização aos maridos, em que não podiam integrar determinadas carreiras profissionais, não podiam ser magistradas. Hoje é inconcebível. As próprias carreiras da magistratura têm muito mais mulheres do que homens.

Não lhe parece que alguns homens se sentem ameaçados por todas estas movimentações e estão no limiar de exigir um dia mundial do homem?

Se isso acontecer parece-me que estamos no caminho errado, porque a valorização da mulher não deve implicar a anulação do homem. Eu não queria substituir o 8 de Março das mulheres por um 8 de Março para os homens.

Dentro da Comissão existe igualdade de géneros? Há muitos homens a trabalhar aqui?

Não tantos quantos eu gostaria e há muito poucos porque até há pouco tempo as mulheres é que reivindicavam a afirmação destes direitos. A comissão foi-se construindo com o objectivo de dar emprego a quem se interessasse por estas temáticas e quem se interessava eram sobretudo as mulheres.

Então têm alguns homens.

Sim, temos alguns homens. Defendo as representações equilibradas, não só ao nível dos postos de decisão mas ao nível do trabalho em todas as equipas.

Como se enquadra na Comissão, o tráfico de seres humanos?

É um projecto que acabou de ser aprovado. No terreno havia equipas que já vinham trabalhando esta temática, através de várias parcerias e projectos e é um problema que se vive hoje de forma preocupante. Portugal tem uma situação particular, já que funciona como placa giratória. Temos um plano que nos vai permitir desenvolver projectos de apoio a vítimas, desde que elas queiram colaborar com a polícia.

São pessoas apanhadas em redes de prostituição?...

Não só. O tráfico de seres humanos pode envolver homens, crianças...

Veio do Instituto da Toxicodependência. Consegue estabelecer uma relação entre o tema da toxicodependência e o da igualdade e da violência doméstica?

São áreas que têm uma base ao nível da inclusão – pessoas que estão a ser agredidas e violentadas, que estão inibidas de exercer os seus direitos fundamentais. Um toxicodependente também fica privado, fica diminuido no exercício dos seus direitos fundamentais e portanto é preciso apoiá-lo, ajudá-lo no sentido de ele próprio encontrar um percurso de vida.

A violência doméstica tem sido particularmente associada ao alcoolismo...

Há agressores que têm associada a problemática do álcool – e é preciso distinguir o consumo do alcoolismo propriamente dito – mas também há muitos que não, mesmo quando consomem. Ou seja, está por perceber se o álcool é causa ou consequência. Mas por trás do álcool há uma cultura que foi interiorizada no sentido de não valorizar o outro como pessoa e do abuso de poder para controlar o outro.

A mesma cultura que minimiza a gravidade do abuso do álcool em Portugal também minimiza a violência doméstica; “entre marido e mulher...”

Muito, é por isso que digo: quando existem problemas de álcool devem ser oferecidos aos agressores programas de tratamento. Estamos a trabalhar em articulação com o Ministério da Saúde no sentido de lhes oferecer a possibilidade de resolverem esse problema. Agora, isso não lhes dá o direito de bater na mulher.

O agressor é um doente?

Não lhe chamaria doente, é uma pessoa normalíssima. Pode haver agressores que tenham psicopatologias. Agora, doente, não. É um cidadão de corpo inteiro que tem uma atitude de não respeito pelos direitos do outro.


É possível salvar um casamento em que existe violência doméstica?

É possível. Há casos concretos de pessoas que, pedindo ajuda atempadamente, conseguem, desde que ambos evoluam nesse pedido de apoio. Há muitos casais que, confrontados com estratégias de mediação adequadas, conseguem alterar as suas atitudes.

Fala-se mais na violência doméstica no sentido do homem agressor e da mulher vítima

Também existe ao contrário.

Que dimensão tem esse contrário e que formas reveste?

Só podemos ter uma noção do ponto de vista das denúncias e isso não nos permite ter uma dimensão real do fenómeno. Mas as denúncias situam-se nos 13% de homens a queixarem-se de que são agredidos pelas mulheres.

Em relação ao homicídio conjugal, há pouco tempo foi dito que estaria a aumentar.

O que está a aumentar é o homicídio conjugal perpetrado por homens mais velhos.

Mostrou-se há tempos muito preocupada em relação à violência entre namorados, e nomeadamente entre universitários...

É uma preocupação permanente. A revisão do código penal alargou o conceito de casal e a nova perspectiva de violência doméstica inclui os casais de namorados e também de homossexuais.

A violência doméstica está a aumentar ou é a sua visibilidade que aumenta?

Acho que é a visibilidade. Não sei dizer. Em relação aos dados de que dispomos, o aumento é de cerca de 11% ao ano. Mas acredito que seja um aumento de visibilidade.

O facto de o crime ser público e a possibilidade de a denúncia ser feita por terceiros fez aumentar as queixas?

Não muito. Há um défice de cidadania.

É fácil perceber que há violência quando esta é física, mas quando é psicológica como é que se detecta?

É muito mais difícil, desde logo pela consciência que as pessoas não têm da sua existência. Há alguns anos, num trabalho que fiz, verificámos que as portuguesas não identificaram a violência sexual no contexto da conjugalidade. As pessoas só percepcionam a violência quando há agressão física.


Myriam Zaluar

Fonte: Correio da Manhã

6.8.07

Tudo começa com gritos e nunca deve acabar num grande silêncio


O Conselho da Europa decidiu realizar uma campanha pan-europeia a decorrer entre 2006-2008, no sentido de combater a violência contra as mulheres, incluindo a violência doméstica. O tema da campanha é Fim à Violência Doméstica Contra as Mulheres.

Nos termos da Resolução n.º 1512 (2006), aprovada a 28 de Junho de 2006, compete à Assembleia Parlamentar do Conselho da Europa (APCE) organizar a dimensão parlamentar desta campanha pan-europeia juntamente com os Parlamentos dos Estados Membros e os Parlamentos que gozam do estatuto de observador junto da APCE. A Assembleia da República associou-se a esta iniciativa e está fortemente empenhada na procura das melhores respostas para tão grave problema, fazendo uso de todos os meios ao seu alcance.

Assim, no âmbito da campanha Parlamentos Unidos no Combate à Violência Doméstica, a Assembleia da República deliniou um criterioso Plano de Acções. Ainda no ano de 2007 e prolongando-se até Março de 2008 serão desencadeadas Duas Semanas de Activismo no Combate à Violência Doméstica incluindo, entre outras acções, a realização de colóquios em cada um dos 18 distritos e nas duas regiões autónomas, em estabelecimentos de Ensino Secundário e Superior, públicos e privados, e também a realização de Quatro Conferências Regionais, em zonas do País mais desfavorecidas em matéria de redes de apoio e atendimento às vítimas. Em articulação com a APCE, a campanha do Parlamento Português encerrará com uma Sessão Solene.

Os Parlamentos dos Estados Membros do Conselho da Europa unem-se no combate à violência doméstica contra as mulheres. Junte-se à acção da Assembleia Parlamentar. É tempo de pôr fim à violência doméstica contra as mulheres.



Telefones para Ajuda ou Esclarecimentos:

  • Linha Nacional de Emergência Social - 144 (Gratuito)
  • Serviço de Informação à Vítima de Violência Doméstica - 800 202 148 (Gratuito)
  • Núcleo de Atendimento a Vítimas de Violência Doméstica do Distrito de C. Branco - 272 339 400